sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

AND VENUS WAS HER NAME

Amanhecia quando chegamos a Lima. Estacionamos na frente de uma lancheria no sofisticado bairro de Miraflores e cochilamos até que abrisse, às sete horas. O cheirinho de café, do pão recém torrado, o barulho do liquidificador nos trouxeram de volta à civilização. Foi o primeiro café da manhã “ocidental” desde a saída do Brasil: torradas de presunto e queijo, ovo frito, suco de laranja, café com leite.
Bastaram alguns dias na capital peruana para voltarmos a atrair a atenção dos malucos e dos curiosos de sempre. A década de 1970 recém começara, e as ondas do flower power, do amor livre e da contracultura, das drogas leves e pesadas chegavam com força a um Peru que respirava liberdade e tolerância no governo do general de centro-esquerda Juan Velasco Alvarado.

Os acordes de Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Joe Cooker e principalmente de Santana no Festival de Woodstock ainda ressoavam nos ouvidos dos jovens peruanos. A imprensa, censurada como nunca no Brasil, discutia livremente temas tabus como a coletivização das terras, as reformas sociais e a estatização das empresas petrolíferas estrangeiras, em andamento no país. O jornal mais combativo, o Extra, havia sido expropriado e passara para o controle dos jornalistas.
A loucura recomeçara, depois de algumas semanas de calmaria. Os cariocas que haviam subido a Cusco e Macchu Picchu voltaram, e Dodo nos reencontrou. O clima, porém, era de fim de festa, pois Régis, o dono do ônibus, cansado de tantos problemas, pirado de tanta droga, havia desistido de seguir adiante. Já não era mais o orgulhoso Touro Sentado, com seus cabelos cortados à moicano, mas apenas o jovem carioca ansioso em voltar para casa, no posto Seis de Copacabana. O sonho de levar o velho Chevrolet até Detroit para trocá-lo na GM por um motor-home zero quilômetro e seguir Canadá afora para depois retornar ao Brasil tinha se perdido nas quebradas dos Andes.
Tentamos vendê-lo, mas havia entraves burocráticos insuperáveis. Pensamos até em incendiá-lo, depois, claro, de chamar a imprensa. Enquanto o assunto não se resolvia, e o dinheiro das passagens de volta deles não chegava (eu nem pensava em voltar), passávamos os dias passeando pela cidade, comendo cebiche (peixe cru, curtido no limão) em barracas de praia.

Quando não havia dinheiro para comer numa chifa (os onipresentes restaurantes chineses ) matávamos a fome nos baratíssimos "comedores populares" (onde perdi um dente mordendo uma pedra misturada ao arroz). Provávamos todas as drogas que os novos amigos, na maioria moradores do bairro de alta classe média, ofereciam aos "hippies" brasileiros.

Num dia desses apareceu Venus. Bonita, alegre, sensual, pele cor de mel, trajada com vestidos indianos, era a versão peruana de Mariska Veres, a vocalista germano-hungara da banda holandesa Shocking Blue. O nome de guerra ela tirara de uma música que na época estourava nas paradas de sucesso da Europa, dos Estados Unidos e da América Latina, cujo refrão dizia “I'm your Venus, I' your fire, your desire”.

Ela logo nos conquistou. Chegava a qualquer hora do dia ou da noite, sempre trazendo alguma coisa – bebida, comida, fumo e tiradas bem-humoradas. Vi com ela o filme Zabriskie Point, de Antonioni, num cinema alternativo, mas estávamos muito doidos, viajando de ácido, para prestar atenção ao enredo. Eu não sabia mais se o que passava na tela era real ou alucinação (tive que ver o filme de novo quando voltei ao Brasil).
Na saída do cinema, no elevador lotado, nos olhamos e ela exclamou, deslumbrada com o filme e o ácido: "carajo!" Para logo corrigir, baixinho, diante dos olhares espantados dos cinéfilos, que também saíam do cinema: cara de ajo... E saímos do prédio dando gargalhadas.
And Venus was her (nick) name...



Venus

(Shoking Blue)

A goddess on a mountain top
burning like a silver flame,
Summit of beauty and love,
and Venus was her name.
She's got it, yeah baby, she's got it.

I'm your Venus, I'm your fire at your desire.

Her weapon's are her crystal eyes
making every man mad.
Black as the dark night she was,
got what no one else had.

She's got it, yeah baby, she's got it.
I'm your Venus, I'm your fire at your desire.
Well, I'm your Venus, I'm your fire at your desire.




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