La Paz foi um choque de realidade boliviana. Em fevereiro de 1972 a capital ainda estava traumatizada pelo golpe militar ocorrido seis meses antes. Liderado pelo general ultra-direitista Hugo Banzer, com o apoio dos regimes militares militares brasileiro e argentino (o Chile ainda era presidido por Salvador Allende, deposto um ano e meio depois), o novo governo acabou com a atividade política e sindical do país, prendeu e matou quem ousou se opor a ele.
O imponente edifício da Universidade de La Paz, localizado numa avenida central da cidade, ainda tinha as marcas dos ataques do exército e de aviões da Força Aérea. Reduto de resistência de estudantes e mineiros, suas paredes estavam perfuradas pelas balas das metralhadoras, com quase todos os vidros da fachada quebrados.
Líderes estudantis nos visitavam para contar histórias de violência, de heroísmo, de desilusão, de impotência diante do obscurantismo. A descrença no futuro do país era tanta que até a sua dissolução e divisão entre o Chile, o Brasil, a Argentina e o Peru era defendida por boa parte deles.
Também vieram ao ônibus falar conosco alguns rapazes bem vestidos, cabelos curtos e barba feita que se diziam paramilitares a serviço do novo regime. Nos levaram de carro para visitar a sede de seu grupo, denominado Os Falcões, num edifício moderno de um bairro de classe alta. Eles contaram que haviam sido treinados e armados por militares para darem apoio ao golpe, e se vangloriavam de terem tido uma participação importante na invasão da universidade. Mostrando revólveres, disseram que garantiriam a nossa segurança. Foi uma das poucas vezes em que sentimos medo. Felizmente eles não vieram mais ao ônibus.
Em compensação, a cada dia apareciam mais e mais malucos, curiosos, traficantes, pessoas interessadas em vender ou trocar alguma coisa. Começamos a perder o controle da situação. Numa manhã, parte do grupo havia sumido com metade dos instrumentos musicais e todo dinheiro da caixinha. Na volta, no dia seguinte, os fujões contaram que tinham tomado um ácido e ido até Oruro com alguns bolivianos para um encontro de jovens. Voltaram sem os instrumentos - e sem dinheiro, claro.
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