sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

HORA DE PARTIR

A convivência de onze jovens no espaço exíguo de um pequeno ônibus, semana após semana, é normalmente complicada. Some-se aos problemas naturais o consumo de drogas, a nossa inexperiência em vida comunitária e o fato de parte do grupo – os cariocas – serem praticamente desconhecidos para nós, os gaúchos, e o resultado foi o previsto: um racha.

Já em Oruro, passada a fase do deslumbramento com os novos companheiros, ficara clara a divisão entre os três cariocas (havia disputas também entre eles) e nós, que saíramos de Porto Alegre com um projeto comum e tínhamos relações de amizade. Régis, incontrolável, tomara sete ácidos de uma vez, sumira por dias, torrara o dinheiro que era de todos. Depois de uma violenta discussão entre ele e Serginho, que acabou envolvendo a todos, arrumamos as nossas mochilas para abandonar o ônibus e continuar de carona. Além das baixarias aprontadas pelos cariocas, havia também uma divergência de timing: parte de nós queria seguir mais rápido, e a outra preferia ficar mais tempo em cada cidade, para curtí-la melhor.

Acabei ficando no ônibus, junto com o Dodo e a Nara (que ainda namorava o carioca Gastão). Estava ansioso para chegar logo ao Peru – e também cedi ao comodismo de viajar com um teto e uma cama. A despedida foi muito triste, especialmente para mim, que deixava os meus amigos e colegas de faculdade. Decidimos partir ainda naquela noite – estávamos sendo vigiados pela polícia, e tínhamos medo de sermos presos a qualquer momento. O entra-e-sai de traficantes e outros marginais era visível demais. Para dar um exemplo do nível dos nossos visitantes, vejam o que escrevi no meu diário da época: " Pegaram carona conosco nossos amigos Joe Camera Lenta, vapor de coca e ladrão (uma noite apareceu com um gravador enorme, roubado) e Chocho, famoso transador de tudo. Camera Lenta se mandou na saída da cidade. Chocho continuou até a fronteira com o Peru. Agora está em cana."

Subimos a tortuosa e íngreme estrada que liga o centro de La Paz ao bairro-cidade de El Alto. Lá, perto do aeroporto, o motor se entregou e tivemos que parar para dormir. De manhã, caminhei até a borda da encosta de onde se vê a cidade. A névoa dava ao cenário um clima surreal – parecia que eu era personagem de um filme. Olhei para os lados, e vi que vários hermanos haviam tido a mesma idéia que eu: dar uma cagada olhando a paisagem...



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