sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

LÁGRIMAS DE PRATA EM POTOSI






"En Potosi solo tenemos dos estaciones: el invierno y la estación del tren..."

É com esta frase, seguida de uma gargalhada, que os moradores da cidade costumam descrever o seu clima. Apesar de estar situada na mesma latitude de Belo Horizonte, em Potosi os termômetros raramente marcam mais de 20 graus, mesmo no auge do verão, por ser uma das mais altas cidades do mundo – fica 4 mil metros acima do nível do mar.
Ao chegar lá, eu já havia me acostumado com o ar rarefeito do altiplano. Meu choque foi outro: ver de perto um dos mais emblemáticos exemplos da rapina de um país cujas riquezas foram saqueadas enquanto quase toda a população, de absoluta maioria indígena, permaneceu, século após século, na extrema pobreza.
Fomos contratados para nos apresentar durante as tardes, nos intervalos entre uma e outra sessão do cinema local. O dono do cinema nos cedeu um quarto ao lado da sala de projeção para dormirmos. Enquanto os filmes rodavam, aproveitávamos para conhecer a cidade que, entre os séculos 16 e 18,  contribuiu para sustentar o império colonial espanhol e a renascença européia. Calcula-se que, apenas do Cerro Rico, morro que se sobressai na paisagem da cidade, foram retiradas 56.000 toneladas de prata, suficientes para ligar Potosi a Madri. As mineradoras continuaram em atividade até 1985,quando as minas, exauridas, foram praticamente abandonadas, deixando a maioria dos seus 120 mil habitantes da cidade sem trabalho.
A primeira impressão que se tem do Cerro Rico é de um imenso queijo cheio de buracos,  de cor avermelhada, pois nada cresce nas encostas. Visitar suas minas é um passeio obrigatório. Ver o que restou delas, e o contraste entre o quanto foi retirado e a miséria do entorno, dá vontade de chorar.
Apesar de seu aspecto desolador, o cerro ainda provoca cobiça: com as modernas técnicas de mineração, é economicamente viável extrair a prata remanescente nas suas rochas, moídas por máquinas de grande capacidade de produção. Ao fim do trabalho, nada mais restaria desse monumento ao colonialismo selvagem. Numa recente pesquisa de opinião promovida pelo governo sobre esta possibilidade, a população manifestou uma opinião unânime: prefere deixar o cerro como está, pois nada teria a ganhar com a sua exploração.
O centro histórico também tem corrido riscos. Seus prédios coloniais, quase todos em mau estado, ainda dão uma boa ideia do antigo esplendor do período colonial , quando era uma das cidades mais importantes e populosas do mundo. Considerada patrimônio histórico mundial pela Unesco, Potosi tem resistido às tentativas de governos e grupos econômicos interessados em demolir a área urbana para explorar o seu sub-solo, onde ainda há minerais valiosos.
Um dos poucos prédios preservados do Centro Histórico, o museu onde funcionava a Casa da Moeda, é outro símbolo do barbarismo espanhol. Era ali que a prata das minas era transformada em lingotes e moedas para abastecerem o império. 

Os indígenas eram usados como tração animal para movimentar as máquinas. Empurravam alavancas andando em círculos, como os bois nas antigas moendas. Quando desfaleciam, eram retirados e substituídos. Sulcos circulares nas pedras onde pisavam ficaram como marcas de tantos anos de trabalho. Nas minas, as jornadas se estendiam do amanhecer até a noite. Sem ver a luz do sol, mal alimentados e respirando ar rarefeito e contaminado, morriam em poucos meses. Em 1638, o frei Antonio de la Calancha escreveu que cada moeda de um peso custava a vida de 10 índios.
Nas ruas de Potosi, conversando com os descendentes destes quíchuas, concluí que a vida deles não melhorou muito de lá para cá. Mascam folhas de coca o dia todo para "quitar el hambre", bebem álcool puro para aliviar o frio depois deixá-lo queimar um pouco baixar o teor alcoólico e vagam pelas montanhas, sós ou em grupos, em busca de algumas gramas de prata que tenham escapado de cinco séculos de pilhagem.

2 comentários:

  1. Chocada e triste ao mesmo tempo com tantas revelações.
    Por isso a importância de um trabalho como este, que dá oportunidade de conhecer o que acontece neste nosso mundo, às vezes tão distante de nós.
    Bjos e continua escrevendo!

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  2. Regina, querida, que bom ter você cmo companheira nesta viagem. Beijos!

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