domingo, 12 de dezembro de 2010

REVOLUÇÃO LISÉRGICA

O fim de tarde tornava a cidade mais sombria e gélida. Ficamos num hotel do centro histórico, velho, decadente e barato, um prédio retangular de dois andares com corredores voltados para o pátio interior. Pouco depois de nos instalarmos no quarto de três camas, o rapaz que estava na rodoviária esperando eventuais turistas para ganhar alguns trocados e nos trouxe até o hotel bateu na porta. ''Há um senhor muito importante no quarto 12 que quer conhecer vocês'', disse. Caminhamos atrás dele pelo corredor e entramos num quarto onde um grupo de indígenas sentados no chão cercava um homem de cerca de 40 anos, branco, quase careca, de olhos azuis, deitado na cama junto com uma mulher e uma criança de no máximo três anos, com o corpo coberto de feridas, provavelmente causadas por desnutrição . ''Este é Carlos, nosso mestre, esta é sua esposa e o menino é o filho deles''.

Nos acomodamos no chão e fumamos vários baseados com eles. Ainda não tínha ''aterrissado'' do ácido, e aquela maconha fez um efeito que eu nunca havia sentido antes. Todos os meus sentidos foram ativados. Eu via auréolas de luz amarelada em torno das pessoas e objetos. ''É punto rojo, feita só de flores de uma das mais potentes espécies de marijuana do mundo, cultivada na Colômbia'', explicou Carlos, vendo que estávamos bastante altos.

Líder político equatoriano, ainda estudante ele tinha pertencido ao partido comunista. Quando Mao Tse Tung rompeu com os soviéticos, Carlos assumiu a liderança da dissidência maoísta. Esteve na China, se encontrou com Mao e voltou para o Equador disposto a tomar o poder. Descreveu em detalhes o encontro.

- Mao falou de política, de sonhos, de dragões. Adivinhou meus pensamentos, não precisei dizer nada, eu estava aterrorizado com aquele homem me olhando com olhos semicerrados. Parecia um gato. O presidente gato.

Anos mais tarde, Carlos se desligou dos maoístas para criar seu próprio partido, formado apenas por indígenas, maioria absoluta (70%) da população nacional. Ele já não queria uma revolta de camponeses e operários contra a burguesia. Seu projeto era mais ambicioso: liderar uma revolução na mente das pessoas. Para isso, ele só precisava de uma coisa: LSD. Milhares, milhões de doses de LSD, distribuídas como hóstias a todos os equatorianos.

Nós ouviámos aquilo boquiabertos. Ele falava sem parar – seu encontro com Mao, as idéias, projetos, o país que sonhava. Volta e meia perguntava: ''no es cierto''? E os seus discípulos, em coro, respondiam: ''cierto, maestro''. Depois de algumas horas de divagações, Carlos explicou qual seria o nosso papel na sua revolução. Com nossos contatos com os ''gringos'' – o rapaz que nos levara até o hotel, militante do grupo dele, havia contado que vivíamos com norteamericanos – nós seríamos os intermediários da importação de cinco mil doses de ácido para ele iniciar o levante.

O plano era simples: colocar ácido lisérgico nas caixas de água do palácio do governo. Todos os que tomassem café, água, chá, ou almoçassem os pratos preparados na cozinha do palácio passariam a viajar sob o efeito da droga. O grupo dele aproveitaria a confusão para tomar o poder, sem luta, sem mortes. O presidente, os ministros, os comandantes militares, todos ficariam horas e horas doidões e, de qualquer forma, nunca mais seriam os mesmos. Depois começaria a distribuição maciça entre a população. O Equador seria o primeiro país do mundo de cabeça feita.

À meia noite, o sino da igreja começou a bater. Quietos, ouvimos doze badaladas, que reboaram nas paredes dos prédios coloniais. Quando terminaram, Carlos rompeu o silêncio e gritou: ''Alma mia, que estás haciendo em el mundo?''

Ele mesmo respondeu, baixinho: ''soñaaaaaaaaaando, soñaaaaaaaaaando''.

Carlos foi preso dois meses depois, junto com 32 seguidores, para quem distribuía doses de LSD. O sonho da revolução lisérgica acabou.




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