sábado, 11 de dezembro de 2010

A HORA DE VOLTAR



Encontrei um brasileiro numa avenida de Quito. Paulista, mochila surrada por muitas andanças, rosto vincado apesar da pouca idade (não mais de 25 anos), Ricardo sabia tudo de estrada. Já tinha subido até o México, voltado a São Paulo e agora retornava para o norte, sem rumo definido. Viajava sozinho há dois anos, com uma pequena ajuda dos pais quando as coisas ficavam muito difíceis.

Estávamos na frente de uma banca de frutas e ele pediu, implorou, encheu o saco da vendedora até ganhar uma banana, devorada em segundos. Ricardo dormia ao relento, embaixo de marquises. Pedia dinheiro, pão velho, restos de comida. Catava baganas, se drogava ou bebia quando alguém oferecia qualquer coisa. Adorava esta vida de vagabundo, de cidade em cidade, de país em país. Ao me despedir dei a ele uma carteira de cigarros quase cheia - Full Speed, tabaco negro, o meu predileto. Parado na calçada, acompanhei aquele andar sem pressa até a figura sumir numa esquina, não sem antes me dar um aceno, sorrindo feliz pela “presença” que havia ganho. Cigarros inteiros, dois dias sem precisar juntar baganas.

Aquela imagem ficou gravada na minha mente. Em casa, ao voltar, me olhei no espelho. Aquele já não era o rosto jovem, limpo, olhar inocente, do dia em que tirei a foto para o passaporte, há seis meses. O que vi foi um rosto magro, cansado, já denunciando tantas noites de sono em jejum ("o sono alimenta", dizíamos, como consolo). O rosto de Ricardo, o andarilho paulista.

Pela primeira vez pensei em voltar.



Nenhum comentário:

Postar um comentário