"Eu sou um filho da puta", exclamou Régis, num daqueles repés de cocaína em que só outra dose nos tira do desânimo profundo, daquele estado incômodo de não ter energia para nada, o corpo exaurido pelo estímulo da droga que durante muitas horas o dispensou de alimento e de sono.
Nós o cercamos para ouvir o seu desabafo e consolá-lo. Afinal, aquele carioca da gema de quase dois metros de altura, corpulento, moreno de olhos verdes, era gente fina. Foi ele que comprou o ônibus já desativado do transporte coletivo, reformou-o e o adaptou para servir de casa. Foi dele a idéia de atravessar os três continentes, junto com dois amigos e vizinhos de Copacabana. Só a saudade da praia e eventuais bodes por excesso de álcool ou drogas tiravam o seu bom humor. Era um líder nato, para o bem ou para o mal.
Mais calmo, Régis explicou que era mesmo um filho da puta. A mãe dele "se virava" em Copacabana, e, anos depois, quando ele já era adolescente, ela passou a ganhar a vida vendo cartas, fazendo "trabalhos" para abrir os caminhos da vida e do amor e, às vezes, apelando para transes em que os santos baixavam nela para apontar respostas para as aflições das clientes. Desde então, o filho apoiava a mãe na farsa, e às vezes cantava pontos de macumba, como este: "Pai Joaquim, êê, pai Joaquim êá, pai Joaquim é rei de Angola, pai Joaquim é de Angolangolá" .
Alguns dias depois, Régis declarou que havia incorporado nele o espírito do cacique Touro Sentado. Foi a um barbeiro e pediu para cortar todo o cabelo dos dois lados da cabeça, deixando só uma franja, de alto a baixo. Nas semanas seguintes, por várias vezes, eu "pelei" a cabeça dele, com uma navalha, depois de passar creme de barbear, claro. A nova personalidade de Régis foi rapidamente aceita pelo nosso grupo e pelos moradores dos lugares onde passávamos (para eles, era o Toro Sentao...). Ele voltou ao Brasil de Lima, ainda como Touro Sentado.
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