sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

GOOD TIMES, BAD TIMES

Domingo é sempre dia de festa em Copacabana. Depois da missa, os padres saem para benzer os carros levados pelo seus donos até a frente da catedral, e durante todo o dia bolivianos, peruanos e gringos comem, bebem, passeiam pela cidade e visitam a ilha do Sol num dos barcos atracados no embarcadouro.
Nós também entramos no clima. Tomamos os nossos últimos ácidos, levamos o Grilo para o padre benzer e cada um curtiu o domingão ao seu modo. Dodo, por exemplo, achou que estava numa praia carioca, mesmo que aquela não tivesse calor, areia fininha e muito menos gatinhas bronzeadas de biquini. Tirou toda a roupa e deu um mergulho nas águas geladas do lago, para espanto de alguns cholos e cholitas que, vestidos com seus trajes típicos, almoçavam sentados na praia em torno de uma toalha de mesa onde havia carne de porco assada, legumes e verduras.
Sem dinheiro para passear de barco, nos limitamos a subir o Cerro do Calvário, com suas doze estações, onde nas sextas-feiras santas é representado o martírio de Cristo. Lá de cima se tem uma vista belíssima do lago, da cidade e da região. À noite, debruçados sobre o mapa, discutimos a próxima etapa da viagem. Nosso plano era ir até Puno, no Peru, ainda nas margens do Titicaca, e de lá seguir até Cusco para chegar a Macchu Picchu. Mas tínhamos um problema: o ônibus, apesar da benção recebida horas atrás, provavelmente não aguentaria mais uma jornada de subidas e descidas por estradas péssimas.
Na viagem até Puno, nossos temores se confirmaram. O sistema elétrico pifou, voltamos a ter pneus furados, o rendimento do motor era inversamente proporcional ao consumo de gasolina. Nos últimos quilômetros do território boliviano fomos parados várias vezes em postos militares improvisados. Soldados examinavam os papéis do veículo e os nossos documentos davam a entender que queriam propinas.

Para acalmá-los, nós os presenteávamos com pequenas réplicas de PMs feitas de borracha que o setor de Relações Públicas da Brigada Militar havia dado aos cariocas na passagem do ônibus por Porto Alegre. "Recuerdo de la policia de Brasil para ustedes", mentíamos.
Foi um alívio atravessar a fronteira, no dia 21 de fevereiro. Estávamos chegando a um país democrático, de governo populista empenhado em fazer reformas sociais.
A decisão de continuar para o norte ou desistir de Macchu Picchu causou uma nova cisão no nosso já reduzido grupo. Paulinho e Gastão queriam ir de qualquer jeito visitar as ruínas incas. Régis, o dono do ônibus, achou mais sensato descer a Cordilheira em direção ao Litoral – e ao asfalto. A palavra final foi dele, e pegamos a estrada para Arequipa, estreita e pedregosa. Os freios, desgastados pelas descidas intermináveis, funcionavam precariamente. A noite caiu e, sem faróis, tivemos que seguir o último trecho da viagem atrás de um caminhão. Quando ele se afastava, contávamos apenas com a lua cheia – e a proteção divina. A benção funcionou. Avistamos, logo ali, as luzes de Arequipa. A Cordilheira dos Andes ficara para trás, 1.500 metros acima.



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