Nossa casa (sim, nossa, pois já estávamos ajudando a pagar o aluguel...) em Otavalo tinha a área da cozinha separada das outras dependências. A ligação entre as duas alas era feita por um corredor ao ar livre, que também dava acesso à escada (morávamos no andar de cima). Costumávamos ficar no corredor, conversando enquanto esperávamos o almoço ou o jantar (na verdade era uma almojanta, pois só se fazia comida uma vez por dia, à tarde ou à noite), preparado no fogão à lenha. De dia nos aquecíamos ao sol, à noite curtíamos a lua e as estrelas.
As noites de lua cheia proporcionavam um espetáculo a mais: o brilho intenso da luz da lua refletida na coroa da neve acumulada nas bordas da cratera do vulcão Imbabura. Aquela imagem nos fascinava. Escalar a montanha para ver a cratera onde os índios fazem seus rituais e apreciar a paisagem lá do alto virou uma idéia fixa. Numa dessas noites, Pedro, Jimmy e eu decidimos: vamos, e amanhã mesmo.
Sem nenhuma experiência - e muito menos preparo físico – para subir quase dois mil metros numa atmosfera rarefeita, achamos que chegaríamos ao topo em três, no máximo quatro horas. Levantamos cedo e pegamos um ônibus até San Pablo, lugarejo vizinho situado às margens do belíssimo lago de mesmo nome, de onde a subida é mais fácil. Nas mochilas apenas uma barraca tipo iglu, uma corda, um cantil de suco de laranja e uma lata de sardinha. Ótimo para um piquenique de fim de semana.
Atravessamos lavouras de batata e milho e chegamos a uma faixa de vegetação rala sem sentir. Falávamos muito, cantávamos, parávamos para fumar um baseado. Mas a subida se tornou cada vez mais íngreme. Parávamos com cada vez maior freqüência, já havíamos bebido o suco e ainda faltava muito para chegar. Nos últimos 500 metros tínhamos que nos agarrar às pedras e com as mãos e tomar cuidado para não despencar.
Estávamos exaustos, sedentos e famintos quando atingimos o topo. Já anoitecia e as nuvens mal nos deixavam enxergar alguns metros à frente. Descemos a ladeira rumo ao centro da cratera para armar a barraca, pois o vento era muito forte. De repente a névoa se dissipou e surgiu à nossa frente um poço, formado pela chuva e o degelo da neve. Corremos até ele e bebemos deitados, com o rosto mergulhado naquela água puríssima.
Armamos a barraca, comemos a sardinha e tratamos de nos acomodar para passar a noite – três marmanjos no espaço de um. Mas apesar do cansaço, não deu para dormir, nem cochilar. O frio era muito intenso – certamente alguns graus abaixo de zero – e o vento açoitava as paredes do nosso micro iglu. O calor dos nossos corpos tornou a temperatura do lado de dentro muito maior que a de fora, e as paredes de plástico passaram a ''suar'', encharcando o colchonete. Como custou a passar cada minuto daquelas doze horas que passamos ali, enregelados e encharcados, sem poder se mexer.
Levantamos logo que amanheceu, com muita dificuldade por causa da hipotermia. Tratamos de sair dali o quanto antes, pois a neblina envolvia a cratera e não se via nada. Pegamos as nossas coisas e começamos a descer o penhasco. Foi a minha primeira e última experiência como montanhista.
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