sábado, 11 de dezembro de 2010

DE CARONA NA HISTÓRIA

Entre os vários tipos de caronas, as melhores – e mais raras – são aquelas em que o motorista é bem educado, culto e comunicativo. Se o carro for confortável, melhor ainda. Foi uma carona dessas que pegamos em Bogotá, na volta para o Equador, com o agrônomo de uma fazenda. No percurso de três horas, tive uma aula sobre a história, a economia e a realidade colombiana.

Com ele e dezenas de outros motoristas aprendi que na raiz das violência e das desigualdades sociais da Colômbia - e, em proporções semelhantes, dos demais países andinos e da Venezuela – está a tremenda concentração do poder econômico e político nas mãos de poucas famílias. A concentração começou na própria colonização da região pelos espanhóis, no século XVI. Ao contrário do que aconteceu no Brasil, onde os portugueses se estabeleceram na costa e aos poucos foram conquistando o interior com o estabelecimento de fazendas, os espanhóis fundaram suas cidades com método e disciplina, baseados em decretos reais que definiam critérios até para a largura das ruas.

Apoiados por tropas e padres católicos, representantes dos reis de Espanha escolhiam os lugares mais aprazíveis – junto a cursos d'água, em áreas planas e arejadas, de fácil defesa – para fundar as vilas que serviriam de bases para a ocupção. Todas elas começam com a Plaza Mayor, um quadrilátero de onde saem as avenidas principais e as ruas transversais, formando quadras iguais. Na praça, centro de lazer e comemorações públicas, ficam a administração pública e a igreja. Em todos os territórios, seja das Américas ou das Filipinas, o procedimento era sempre o mesmo.

Aqueles espanhóis que tinham coragem de abandonar seu país para enfrentar os perigos de uma América povoada por tribos indígenas geralmente hostis ganhavam as melhores terras para produzir, com a proteção do império. Os privilégios concedidos a estes primeiros desbravadores foram transmitidos para as gerações seguintes. Os índios foram empurrados para as montanhas ou para a selva, e tiveram que se conformar com as atividades agrícolas e artesanais. Na Bolívia foram escravizados e morreram aos milhões nas minas de ouro, prata, cobre e estanho. Comércio, indústria, instituições financeiras, agricultura mecanizada e pecuária extensiva ficaram com as famílias dos colonizadores.

Todas as tentativas de mudança desta estrutura foram reprimidas com violência. Violentas também têm sido as lutas pelo poder político entre grupos rivais ao longo do século 20, numa sucessão de golpes e contragolpes mais ou menos sangrentos que só amainou na década de 1960. Enquanto isso, os remanescentes dos incas e demais tribos – mais de 70 por cento da população na Bolívia, no Peru e no Equador - conseguiram manter incólumes a sua língua, os costumes e as tradições. A consolidação da democracia tem permitido aos índios aumentar a participação na política e na economia de seus países. As mudanças no território onde o império inca foi conquistado a ferro e fogo pelos espanhóis passam pela retomada do poder pelos descendentes de Atahualpa, o último imperador.



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