sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

GRILO BOCA DE OURO

Pintado de azul e creme, com a bandeira do Brasil e o destino Rio-Canadá na frente, ele atraía a atenção em todos os lugares onde chegava. Apelidado de Grilo Boca de Ouro por Régis, um carioca da rua Miguel Lemos, posto 6 de Copacabana, que o comprou já aposentado do transporte coletivo, o ônibus foi reformado para servir de casa rodante. Em vez de bancos, dois beliches, e na parte de trás três balcões em forma de U com apetrechos de cozinha, de artesanato e um laboratório fotográfico. O defeito do Grilo era não ter banheiro – tínhamos que parar perto de postos de gasolina ou bares. Quando não havia outra opção – e isto era comum na Bolívia e no Peru, onde a resposta para "donde es el baño?" costumava ser "hay campo" – o jeito era fazer como os cholos e cholas (índios e índias): procurar um descampado e usar como banheiro. Com o tempo, isto se tornou tão natural que fazíamos uma roda para cagar juntos, batendo altos papos... O lugar mais agradável para viajar quando não estava frio ou chovendo era num banco colocado em cima do teto. Dava para ver a paisagem num ângulo de 360 graus. 
Numa noite de lua cheia, o Régis e a Liana decidiram viajar lá em cima. Tudo corria bem até que, depois de um solavanco forte (a estrada era de chão batido) ouvimos gritos e um baque. O Régis  havia caído. Apesar da altura, não se machucou muito. O dodo improvisou uma bengala com um galho, e depois de alguns dias ele não sentiu mais nada.
Quando saiu do Rio, o ônibus, montado sobre a plataforma de um caminhão Chevrolet 1955, estava inteiro. Régis e seus amigos Gastão e Paulinho, da turma da rua Miguel Lemos, brigavam para dirigi-lo. Mas os milhares de quilômetros, a subida da cordilheira dos Andes e o deserto da costa peruana acabaram tornando inviável o projeto de chegar a Detroit para propor à General Motors a sua troca por um motor home novo para continuar até o Canadá e depois voltar ao Brasil. A parte mecânica e elétrica estavam constantemente em pane e não havia dinheiro para reformar o motor. Impossibilitado de vender o veículo em Lima por causa das leis peruanas, Régis cogitou em incendiá-lo na praia, com ampla cobertura da imprensa local. Acabou optando pelo bom senso. Doou-o a um clube de caça e pesca. Talvez anda esteja prestando bons serviços aos pescadores e caçadores limenhos.

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