sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
AVENTURAS, DESVENTURAS, SONHOS E PESADELOS
Brasil, ame-o ou deixe-o. Para quem entrara na universidade no início da década de 70, auge da ditadura militar, e não se conformava com a situação do país, o lema da propaganda oficial era uma ordem: deixe-o. E foi uma debandada. Quase todos optavam pela Europa. Juntavam uns trocados, a família ajudava ("pintava uma grana", diziam, para não parecer caretice) e se mandavam.
No final de 1971, me juntei a mais quatro colegas do curso de jornalismo da Ufrgs (dois rapazes e duas gurias), um estudante de medicina e uma de Letras para fazer um roteiro diferente: deixar o Brasil por terra e percorrer a América Latina, sem destino definido nem prazo para voltar. Como não tinha pintado grana para nenhum de nós (eu havia conseguido economizar cem dólares) nossa ideia era cantar música brasileira nos lugares onde estivéssemos para sobreviver e seguir em frente.
A viagem começou por Uruguaiana, para onde fomos de trem. De lá subimos de carona para Corrientes, no nordeste argentino, e atravessamos de trem o deserto do Chaco até Salta, já na pré-cordilheira dos Andes, perto da fronteira com a Bolívia, onde passamos 20 dias.
Lá nos juntamos a quatro rapazes, três cariocas e um gaúcho. Eles viajavam num motor home, o Grilo Boca de Ouro, e haviam saído do Rio. Passaram por Porto Alegre, Montevidéu e Buenos Aires e pretendiam chegar ao Canadá. Mas haviam gastado todo o dinheiro que tinham e não sabiam o que fazer para continuar - ou voltar.
Quando viram o nosso "show" numa praça, ficaram deslumbrados com o as notas e moedas que ganhamos e nos convidaram para seguirmos juntos. Para nós era ótimo ter onde dormir e preparar refeições, depois de passar noites ao relento. Nosso dinheiro também havia acabado, e o que nos davam nas praças não era suficiente para pagar hotéis. Amontoados nos quatro beliches, nos balcões e no chão de um Chevrolet 55, viajamos juntos até La Paz, onde nos separamos, depois de dois meses de deslumbramento, namoros, brigas e descobertas, entre elas a cocaína e o ácido lisérgico.
Quase todo o grupo que havia saído de Porto Alegre decidiu ficar na capital boliviana por mais algum tempo e eu segui no ônibus. Com medo de sermos presos, partimos de madrugada. A polícia já vigiava o entra-e-sai de jovens malucos, traficantes e todo o tipo de curiosos que passaram a frequentar a praça onde estávamos estacionados.
Contornamos o lago Titicaca e entramos no Peru por Copacabana, cidade boliviana homônima do bairro carioca. Saímos de um país onde recém ocorrera um golpe militar de direita para conhecer a experiência de regime populista de esquerda, também liderada por um general. Éramos então apenas quatro, e a harmonia voltou ao ônibus/lar. Passamos alguns dias em Arequipa e descemos até uma praia do Pacífico onde ganhamos um bom dinheiro fazendo brincos e pingentes artesanais para vender aos veranistas.
A viagem até Lima foi interrompida algumas vezes por problemas mecânicos causados pelo calor de até 40 graus do deserto e de um terremoto que engoliu parte da estrada que costeia o oceano Pacífico. Ficamos imobilizados por vários dias na cidade de Nazca para consertar o motor e esperar a reabertura da estrada interrompida. Se tivéssemos lido o livro Eram Deuses os Astronautas, do alemão Erich von Dänicken, não teríamos desperdiçado a oportunidade de conhecer a pista onde os supostos seres extra-terrestres teriam aterrissado, a poucos quilômetros dali.
Para pagar o conserto do motor tivemos que vender os botijões de gás e os últimos equipamentos fotográficos que nos restavam. Desanimado com tantos percalços, o dono do ônibus decidiu voltar de Lima para sua amada Copacabana, no Rio. Os outros também voltaram para o Brasil.
Continuei com dois gaúchos que havia conhecido dias antes. Eles queriam ir para os Estados Unidos, e apesar de terem sido roubados no Chile e estarem duros como eu, nem pensavam em desistir.
A partida de Lima, poucos dias depois da despedida dos companheiros, também foi furtiva. Estávamos hospedados na casa de um "amigo" limenho, que pretendia produzir um curta-metragem conosco. Ele era meio maluco, e fugimos de madrugada com a filmadora dele, pensando em vendê-la mais tarde.
Meus novos amigos, um fotógrafo e um poeta, se revelaram excelentes companheiros de viagem. De carona em carona, sempre rumo ao Norte, chegamos a Quito, capital do Equador. Eu cantava em praças, bares e restaurantes, e ganhava o suficiente para comermos pratos feitos e nos hospedarmos em hotéis da mais baixa categoria possível. Otavalo, uma pequena cidade conhecida por seu artesanato típico a duas horas de viagem ao norte de Quito, seria apenas uma parada de um ou dois dias, e o Equador um país de passagem para a Colômbia e a América Central caso não tivéssemos conhecido, depois de uma apresentação no mercado local, um norteamericano extremamente simpático chamado Redwood. Fã de Bossa Nova, ele nos convidou a conhecer a casa onde morava com outros dois americanos e um colombiano. A integração foi imediata, e acabamos morando lá por cinco meses, com breves ausências para renovar o visto (e comprar maconha) na Colômbia, além de circuladas por outras cidades equatorianas.
Neste blog estão as histórias dessas as aventuras, desventuras, sonhos e desilusões de oito meses de viagens, com fotos do meu arquivo e pesquisadas na internet.
LOS MACUNAÍMA em Oruro, Bolívia, em fevereiro de 1972
Em cima da rampa, da esquerda para a direita: Paulinho, Régis, Clóvis Heberle, Maria Orminda, Sérgio Ferreira de Mattos (falecido), Nara Molina d'Ávila e Liana Milanez
Embaixo: Pedro Jacobsen, Artur Borba (falecido), Gastão Lamounier e Lourival Gonçalves (Dodo).
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Olá amigo! Tenho a honra de ser o primeiro seguidor deste blog! Vou aproveitar o final de semana e ler novamente suas peripécias latino-americanas. Parabéns pela iniciativa!
ResponderExcluirAbraço forte.
Oi querido
ResponderExcluirAdorei as tuas histórias.Já estou te seguindo...
Beijos
Vai escrevendo, a gente adora este teu texto e as histórias. Bjo
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