Na nossa casa de Otavalo eram comuns as jam sessions. Chegava um com uma gaita de boca, outro com um violão, outro pegava qualquer coisa para batucar o ritmo e estava feito. A Bossa Nova dominava. Americanos e europeus eram fascinados por Tom Jobim, Vinícius, Baden, Bonfá, João Gilberto, os mestres. Assim como nas ruas Roberto Carlos, com Jesus Cristo e até O Calhambeque deliciavam o povão, em casa a mais pedida era Garota de Ipanema. Eu havia até preparado uma versão bilingüe. Cantava metade em português e metade em inglês, na versão autorizada por Tom ("Tall and tanned, young and lovely, the girl from Ipanema goes walking, and when she passes, each one she passes goes uauuuuu...”).
Os gringos não tiravam os olhos dos acordes dedilhados no violão. Da Bossa Nova eu partia para os sambas de Noel, e continuava com Caetano, Gil (“Eu não sou daqui, eu não tenho amor, eu sou da Bahia, de São Salvador/ If you hold a stone, hold it in your head”), e depois Beatles, Bob Dylan, The Mamas and The Papas, James Taylor e Carole King. A estas alturas, todos cantavam, acompanhavam com batidas na mesa, com o que estivesse à mão.
Às vezes alguém queria saber como era candomblé, batuque, umbanda e eu fazia uma demonstração. A lata de lixo virava atabaque ( a minha tumbadora já havia sido vendida, num dos tantos apertos do caminho) e eu cantava o único ponto de umbanda que me lembrava, dos tempos do carioca Régis: “Pai Joaquim, ôô, pai Joaquim, êá, pai Joaquim é rei de Angola, pai Joaquim é de Angolangolá”. Só faltava um californiano ou novaiorquino entrar em transe e incorporar um preto véio. Seria bastante complicado de resolver. Nenhum de nós jamais havia pisado num terreiro...
O auge da minha "carreira artística" ocorreu quando um empresário equatoriano, dono de uma fábrica de sabão em Quito de passagem pela cidade, me viu cantar no mercado e pediu para ir até nossa casa para ouvir mais. Contou que tinha vários discos de música brasileira, e passou a tarde conosco, fumando, bebendo e curtindo samba e bossa nova. Ao sair, me convidou para gravar um comercial para divulgar a marca do seu sabão nas rádios de todo o país.
Não dei bola – o cara poderia ter se entusiasmado e, passada a bebedeira, esquecido de tudo. Mas no dia seguinte ele chegou de carro para irmos, conforme o combinado, para a vizinha Ibarra, onde havia alugado o estúdio da rádio local para a gravação. Música e letra saíram de improviso, com o apoio moral do Pedro e do Dedeco e depois de um, dois, sei lá quantos baseados. O refrão, em ritmo e melodia de bossa nova:
''JABÓN STOP/ LAVA MEJOR SU ROO-PA,
JABON STOP/ LAVA MEJOR SU ROOOO-PA”.
Não sei se o comercial foi um sucesso nas rádios, mas me senti um pop star ao embolsar a incrível quantia de US$ 300,00. Uma fortuna.
Nenhum comentário:
Postar um comentário