Apavorado com as dificuldades de sobreviver na Colômbia, eu havia mandado de Pasto para Porto Alegre uma carta para a Laís, minha namorada, relatando a nossa situação. Como artista de rua eu não conseguia dinheiro suficiente nem para a alimentação. Chegamos a ficar dois dias sem comer. Ela e eu nos correspondíamos desde o início da viagem. Eu informava qual seria a próxima cidade em que ficaria e ela mandava cartas para o Posta Restante - a seção dos correios para as pessoas sem endereço fixo apanharem a correspondência.
Três dias depois de chegar a Bogotá, havia uma carta dela dizendo que os amigos e os colegas da faculdade de Jornalismo estavam recolhendo dinheiro para nos ajudar a seguir em frente – através da Laís, a turma acompanhava e vibrava com as nossas andanças. O Dodo, já cursando medicina, ajudou na mobilização, assim como a Liana e os outros companheiros da primeira fase da viagem que haviam voltado. O Silmar ajudou a fazer a operação bancária para que eu pudesse fazer o saque em pesos colombianos. Graças à moçada, pela primeira vez desde que saíra do Brasil eu tinha $$$ na mão. Seria um prenúncio da era de Aquário, regida pela paz, a harmonia, a solidariedade? Aquarianos, o Pedro e eu achamos que sim. E nos lembramos das palavras da Piper, ao ler as cartas do tarô antes de partirmos: “vocês vão receber uma ajuda inesperada e se sentirão muito felizes com isso”.
A música With a Little Help from my Friends, dos Beatles, magistralmente interpretada por Joe Cooker no Festival de Woodstock, ressoava nos meus ouvidos naquele final de manhã ensolarado e frio. Convidamos nossas amigas colombianas para almoçar e brindamos à grana que pintou, sem revelar os nossos planos. Fomos até a casa de Laura, pegamos as mochilas e voltamos para a estrada, sem despedidas nem explicações, apesar do sentimento de culpa, pois as gurias realmente foram muito legais conosco.
As últimas duas semanas foram tão duras que, em vez de seguir para o norte, como havíamos planejado, preferimos ouvir a advertência do I Ching: "Não é hora de atravessar o grande caudal". Era hora, isto sim, de voltar para casa, em Otavalo. Lá, na linha do Equador, entre o pai Imbabura e a mãe Cotacachi, eu teria paz de espírito para decidir quais as próximas aventuras.
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