sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

ZAMBAS, BAGUALAS, CHACARERAS


A idéia de montar um espetáculo de música brasileira para poder viajar sem dinheiro surgiu numa das tantas festas da tuma da faculdade. Se varávamos as noites cantando e o pessoal gostava, por que não cobrar e sair por aí? Passamos um mês ensaiando e quando embarcamos a banda estava afinada. Cantávamos acompanhados de dois violões, um atabaque, um pandeiro e uma flauta doce.

Artur escreveu um texto de apresentação em espanhol de Los Macunaíma e do projeto de cantar música brasileira continente afora. Terminava com uma saudação “a esta puta maravillosa que es latinoamerica” - e a idéia era conquistar aí os primeiros aplausos. Discutimos o repertório do show até a exaustão. Começava com o Funeral do Lavrador, de Chico Buarque.

Nosso último ensaio foi a bordo de um vagão de terceira (e última) classe do trem Porto Alegre-Uruguaiana, que saía no final da tarde e chegava na fronteira com a Argentina no dia seguinte, de manhã. Como era impossível dormir nos bancos de madeira, acabamos cantando a noite inteira, cedendo, eventualmente, uma “canja” a algum passageiro, pois, como nós, ninguém dormia. O mais inspirado deles levou o vagão ao delírio com Butterfly, sucesso da época. Embalados pelo vinho de garrafão que corria de boca em boca, todos acompanhavam o refrão: “baterfrai, mai baterfraaaaai...”

Los Macunaíma estrearam em Paso de Los Libres, e já nas primeiras apresentações nos demos conta de que aquele texto da puta latinoamericana não servia por ser melodramático demais. O funeral do lavrador também foi abandonado - era muito triste para abrir um show. Os hermanos queriam era músicas de carnaval, sambas, garotas rebolando. Passamos a atacar de “Mamãe eu Quero”...

No dia seguinte seguimos para o norte até Corrientes, na margem do rio Paraná. Atravessamos de barca até Resistência e lá ficamos sabendo que a localidade mais próxima em direção ao noroeste argentino - nosso destino era Salta - era Pampa del Infierno, em pleno deserto do Chaco. Naquela época não havia estradas asfaltadas, e tivemos que pegar um trem. Última classe, claro.
Era noite de Natal, e os poucos passageiros começaram a tirar petiscos e vinho das suas bagagens de mão. Não demorou muito a estarmos todos bêbados. Inclusive o cobrador, que cambaleando balbuciava: "los boletos, por favor" Los boleeeetos".
Pampa del Infierno merecia o nome. Parecia aqueles lugarejos do velho oeste americano, com casas de madeira castigadas pelo sol, calor insuportável e ruas poeirentas.
Mas conseguimos fazer uma refeição no único "comedor" local, e lá conseguimos uma carona até Metán, na pré-cordilheira e depois até Salta, no norte argentino..


Nossa temporada de Salta representou o início de nossa carreira e também o primeiro contato com a música folclórica argentina. Nos hospedamos por vários dias na casa de Manuel Castilla, um dos mais importantes poetas e compositores argentinos. Um filho dele era nosso conhecido, pois havia passado vários dias na casa do Serginho, em Porto Alegre, e retribuímos a visita. A casa de Castilla estava sempre cheia de visitantes – cantores, compositores, instrumentistas, fãs, quase todos apresentados como “músico, abogado y grande amigo mio”. Durante o dia, nos apresentávamos em praças, restaurantes e até colégios, e à noite mergulhávamos nas zambas, chacareras, bagualas e carnavalitos.

Era final de ano, e os salteños tinham o costume de irem em grupos de casa em casa para cantar, recitar poesias e beber vinho, madrugada adentro. Fiquei encantado pelo som seco do bombo legüero, a marcar o ritmo,e com a riqueza melódica e poética das músicas. Deslumbrado, eu não desgrudava do velho Castilla. Lá pelas tantas da madrugada, já em casa, a esposa dele aparecia na sala para exigir que ele fosse dormir – e nós também, claro. Numa dessas, contrariado, ele me segredou: “Clovis, nunca te cases. Ainda mais com uma mulher...”


Pergunta difícil de responder...

"Y DIGAME, HERMANITO: COMO ES EL MAR?????"

(de um argentino de Salta que, "por supuesto", nunca havia visto o mar)

ENTRAMOS NUMA FRIA...

Os cariocas trouxeram muita maconha, da boa, ao deixarem o Posto Seis de Copacabana com destino ao Canadá. Era para durar até a Colômbia, mas a carne é fraca. Em Salta, norte da Argentina, o estoque já estava na última trouxinha. Mas eles não estavam chateados com isso. Ouviram falar que ali havia cocaína da boa. Afinal, a Bolívia ficava logo ali. Ninguém de nós havia provado ainda o pozinho branco, raríssimo e caro no Brasil naquela época.
Foram atrás e voltaram faceiros da vida, com um hermano que propôs uma troca vantajosa para os dois lados: maconha brasileira por coca boliviana, da melhor. Eram vários papelotes, daria para todos. O cara se mandou e nós pedimos os espelhos das gurias para cheirar as carreirinhas. Depois das primeiras cheiradas, foi aquela gritaria. Puta que o pariu! O calhorda nos deu bicarbonato de sódio.

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