sábado, 11 de dezembro de 2010

NERVOUS BREAKDOWN

Alguns dias antes de voltar vendi meu saco de dormir, companheiro de 210 noites, numa loja de artigos de caça e pesca de Otavalo. Sleeping bags eram raros e caros no Equador, e o dono da loja pretendia usá-lo em suas pescarias – depois de uma boa lavada. Foi com parte dos sucres obtidos dessa venda, transformados em dólares no aeroporto de Quito e em cruzeiros no do Galeão, que fui de ônibus até a estação rodoviária Novo Rio. No meio do burburinho de milhares de viajantes, os alto-falantes tocavam "debaixo dos caracóis dos teus cabelos/ uma história pra contar/ de um mundo tão distante". Foi a primeira vez que ouvia a música, sucesso da época. Composta por Roberto Carlos para Caetano Veloso, a letra falava da volta dele do exílio, e se encaixava na minha condição de recém-chegado ao meu país - com muitas histórias para contar. Depois de fazer um lanche, comprei uma passagem até a cidade mais distante que as minhas minguadas economias permitiam: Nova Iguaçu, na Via Dutra. Eu queria pegar a estrada, mesmo já sendo noite. Desci num posto de gasolina, na esperança de encontrar alguém que estivesse indo para o sul. Não custei a me dar conta de que alí, na baixada fluminense, ninguém daria carona a um desconhecido, ainda mais à noite. Decidi achar algum lugar onde pudesse pernoitar. Caminhei em direção ao centro da cidade, cada vez mais amedrontado e arrependido de ter saído do Rio. Na rodoviária daria para ficar num banco, com alguma segurança, até amanhecer. Naquela cidade da baixada, com a minha pinta de gringo, eu era um alvo tentador para qualquer vagabundo que tivesse um canivete. Passei na frente de uma igreja com uma escola ao lado. Havia luz lá dentro. Bati e um padre abriu uma fresta da porta. Expliquei que era brasileiro recém chegado de uma longa viagem pelo exterior, estava muito cansado e precisava de um lugar para dormir. Ele me deixou entrar e disse rispidamente que ali não era albergue. “Preciso apenas de um lugar para descansar sem ser assaltado. Saio de manhã cedinho, antes das aulas começarem”, argumentei. Mas ele estava irredutível, já me empurrando para a porta. “ Não posso deixar um desconhecido ficar aqui, esta é uma cidade violenta, matam as pessoas por qualquer coisa. Procura outro lugar. Vai pra delegacia de polícia”. Aí eu tive uma espécie de colapso nervoso. Comecei a chorar e, aos soluços, perguntei que cristão era ele, negando abrigo a uma pessoa que só precisava de um canto para passar a noite. Depois do meu desabafo, ele mudou de atitude. Fechou a porta, me levou até uma sala de aula e só me pediu para sair logo que amanhecesse para que ninguém me visse. Fiz a cama no chão com as poucas peças de roupa que trazia e me cobri com um cobertor que havia ganho de um americano, de um tecido usado pelos astronautas. Feito de uma espécie de plástico aluminizado, retinha o calor do corpo. Exausto, dormi até clarear o dia. Cumpri a minha promessa. Ninguém me viu sair.

Em Porto Alegre, a Lais, minha namorada, estava preocupada com a falta de notícias e a minha demora de chegar. Mandou uma carta ao Dedeco perguntando onde eu estava. A resposta dele chegou depois de minha chegada. Está guardada até hoje, numa caixa de "recuerdos". 






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