sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

APOGEU E FIM DE LOS MACUNAÍMA

Oruro não teve o esplendor da vizinha Potosi, mas também não entrou em decadência quando os veios de prata se exauriram, pois na região havia muito estanho e outros minerais para manter a sua atividade econômica. Até até hoje é um importante pólo industrial e de mineração.
Os orurenhos são descendentes dos orurus, índios conhecidos já no século 16 pelo seu talento para a cerâmica. Nas últimas décadas, Oruro se tornou conhecida como a capital boliviana da música e a dança. As Peñas Folclóricas, restaurantes com palcos para apresentações de grupos musicais, são a maior atração da cidade, e o carnaval atrai visitantes de todo o país e cada vez mais estrangeiros.
Nós chegamos poucos dias antes do carnaval, e o Grilo logo se tornou atração na cidade. O dono de um posto de gasolina e oficina mecânica nos cedeu lugar para estacionar o ônibus, com direito a banheiro, água e uma sala onde montamos o laboratório fotográfico.

Uma banda de música brasileira era tudo o que os donos das Peñas queriam para dar um toque especial às noitadas animadas por quenas, charangos e bumbos, e fechamos contratos para nos apresentar em troca de refeições e uma pequena quantia em dinheiro (no primeiro dia, ao verem aquele bando de onze famintos comendo por 22, eles se arrependiam, mas aí já era tarde...).
Produzimos fotos promocionais em que o cenário era a rampa da própria oficina (coloquei no blog as únicas que trouxe comigo). Colávamos as fotos nas vitrines das lojas, e fazíamos propaganda dos shows rodando pela cidade, três ou quatro cantando e batucando na capota. À noite éramos a atração principal, anunciados como "Los Macunaíma, directamente de Brasil". O reforço dos cariocas Gastão no violão e Paulinho e Régis na percussão deu mais solidez e ritmo à banda, e os sambas e músicas de carnaval eram especialmente aplaudidos.

Maria Orminda, uma cearense de corpo fornido, parecido com os das índias quechuas, não cantava nem tocava instrumento algum, mas tinha um papel fundamental, especialmente quando o nosso desempenho não estava bom. Ela não se fazia de rogada quando eu pedia "rebola, Minda, rebola". Ninguém mais prestava atenção na música. Era um delírio.
Durante o dia, além de promover nossos shows, percorríamos as casas comerciais com um livro de ouro para pedir ajuda financeira. Nos apresentávamos como estudantes brasileiros em viagem de estudos que precisavam de apoio para conhecerem o país. Foi uma excelente idéia da Liana, que havia se tornado uma espécie de gerente da casa. Outra, também dela: visitávamos fábricas de alimentos e pedíamos doações. Conseguimos um bom estoque de leite (em pó, condensado), macarrão e outros produtos. Duraram semanas, e acabaram nos causando incômodas prisões de ventre.
Nossa temporada era um sucesso, tínhamos dinheiro e alimentação garantidos. Sem problemas, digamos, logísticos, poderíamos continuar viajando o tempo e para onde quiséssemos. Sempre haveria palcos, praças e pessoas dispostas a ajudar estes jovens estudantes, simpáticos e talentosos, numa fascinante viagem de estudos. Mas aí começaram nossos problemas com as drogas. Em vez de bicarbonato, provamos a puríssima cocaína boliviana. Depois o LSD, trazido por norteamericanos e europeus.
Era cada vez mais difícil reunir a turma para ensaiar e até mesmo para almoçar no horário marcado pelos donos dos restaurantes. Uns ou outros passavam a noite em claro, depois de cheirar algumas carreiras, e passavam a maior parte do dia dormindo. Quando acordavam, só pensavam em sair para " batalhar um pozinho". Começaram as brigas entre nós e entre os casais que havia se formado no grupo. O dinheiro, guardado em caixa único, sumia, sem que ninguém soubesse quem pegou e para que.
O carnaval havia passado, não tínhamos shows para fazer, a cidade já não oferecia novos atrativos. Era hora de partir.

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