A costa peruana é desértica. Entre o mar e a cordilheira dos Andes só existe vegetação – e vida humana - nas margens dos poucos rios que descem das montanhas. São oásis onde floresceram algumas importantes civilizações pré-incaicas, entre as quais a Nazca, 450 quilômetros ao sul de Lima, conhecida pelos desenhos gigantescos traçados no solo, visíveis apenas do alto. Como na época em que foram traçadas não havia aviões nem satélites, até agora não surgiu uma explicação racional que explique o mistério.
O alemão Erich Von Däniken foi o maior responsável pela fama das chamadas Linhas de Nazca ao lançar, em 1968, o livro Eram os Deuses Astronautas. Para ele – e vários outros estudiosos – a costa peruana teria sido habitada por seres extra-terrestres, que ali tinham um aeroporto. A “pista de pouso” ainda está lá, assim como figuras humanas e de animais.
Na viagem de 700 quilômetros até Lima tivemos que passar alguns dias em Nazca, mas não nos ocorreu visitar o “aeroporto”. Estávamos preocupados demais em consertar o motor do ônibus e chegar o mais rápido possível à capital peruana. Os problemas mecânicos começaram já no primeiro dia. O bloco do motor não resistiu ao calor do deserto e rachou. Fiquei dois dias sozinho na estrada, esperando pela volta do Régis e do Pedro, que foram a Arequipa para vender uma máquina fotográfica e um rádio portátil para pagar o conserto. O Dodo, preocupado com o reinício das aulas na faculdade de Medicina, em Porto Alegre, havia pegado a primeira carona que apareceu rumo ao norte.
Decidimos viajar apenas à noite, quando a temperatura baixa, e descansar de dia. Éramos apenas três para nos revezar ao volante - já não havia mais disputa pela direção, como antes -, e pela primeira vez dirigi um veículo daquele tamanho, e num estado tão precário. A rodovia Pan-Americana, que corre paralelamente à costa, era, então, apenas uma estreita faixa de asfalto, sem sinalização. Em alguns trechos as dunas de areia avançavam sobre a pista. Os faróis fracos e desregulados e o cansaço eram dois inimigos perigosos naquelas madrugadas, e várias vezes achei que não conseguiria evitar uma colisão com os veículos que vinham em sentido contrário.
Saímos de Nazca num fim de tarde. Mais duas noites e estaríamos em Lima, a 450 quilômetros. Ainda bem que antecipamos a saída, porque ainda havia claridade suficiente para perceber que, logo adiante, a estrada sumira. A ponte havia sido levada pouco antes pelas águas do rio, numa enchente causada pelas chuvas em sua nascente. Sem sinalização, se estivesse escuro poderíamos ter caído nas águas.
O jeito foi dar meia-volta. Ao chegarmos à cidade, o óleo escorria do motor, novamente fundido. Havia conserto, mas a um preço bem caro. Sem dinheiro, trancados numa pequena cidade no meio do deserto, saímos a vender o que nos restava: um botijão de gás, equipamentos para revelação de filmes fotográficos, uma câmera. Juntamos o dinheiro suficiente para pagar o mecânico e comer e beber enquanto esperávamos a reabertura da ponte. Sem nada para fazer, chegamos a ir ao puteiro da cidade, um prédio quadrado, com um corredor sombrio onde as “meninas”, feias e velhas, ficavam paradas nas portas dos cubículos, à espera de clientes. Algumas delas deviam ser mais bonitas e jovens, pois havia portas fechadas, com filas de homens em frente a elas (índios mal vestidos, com roupas sujas e surradas) esperando a vez de curtirem os seus minutos de prazer. O calor sufocante e o mau cheiro completavam o quadro. Desistimos das putas e fomos a um bom restaurante jantar.
A poucos quilômetros dali, as Linhas da Nazca nos esperavam, em vão.
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